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O mito da turma desnivelada

O desnivelamento de algumas turmas sempre foi um dos maiores fantasmas de grande parte dos professores. Mas esse temor está baseado em conceitos que já foram superados pelas ciências da cognição.

Júlio Furtado

17/03/23

O desnivelamento de algumas turmas sempre foi um dos maiores fantasmas de grande parte dos professores. Mas esse temor está baseado em conceitos que já foram superados pelas ciências da cognição.

Volta e meia encontro um professor saudosista enaltecendo a escola de antigamente e suas práticas. “Os alunos respeitavam os professores e prestavam atenção às aulas e, por isso, aprendiam! Eram interessados e gostavam de estudar!” Essas características são, em geral, relacionadas à rigidez das regras escolares de outrora. Escola mais rígida gerava alunos mais disciplinados e interessados e, como consequência, turmas mais niveladas.


O desnivelamento de algumas turmas sempre foi um dos maiores fantasmas de grande parte dos professores. A crença por trás disso é a de que todos aprendem numa mesma velocidade e a forma de ensinar do professor é acessível, igualmente a todos. Eis duas máximas já derrubadas há muito tempo pelas ciências da cognição. O que esquecemos é que a escola de antigamente era para poucos que conseguiam sobreviver aos rígidos processos de aprovação e às seleções que permitiam que só os melhores tivessem suas vagas garantidas. A partir da década de 1980, a escola se abriu para todos, logo, chegaram as diferenças que acabaram com as turmas “niveladas”.


A pandemia intensificou o desnivelamento de aprendizagem e o que já era claro antes tornou-se urgente: precisamos ensinar em condições desniveladas e parar, de uma vez por todas, de perseguir um nivelamento inatingível. A superação desse desafio passa pela formação dos professores para colocarem em prática uma pedagogia diferenciada e pela crença de que a aprendizagem ocorre de dentro para fora, mediada pelo esforço cognitivo que a criança faz para aprender. Esse esforço é diretamente proporcional ao sentido que a aprendizagem tem para o aluno. Logo, uma pedagogia diferenciada começa pela habilidade do professor em desenvolver atividades que façam sentido para o estudante.


É claro que a questão não é tão simples assim. Número de alunos em sala, repertório metodológico do professor, apoio psicopedagógico e conhecimento do processo cognitivo são variáveis que podem potencializar ou inviabilizar a prática do ensino numa turma “desnivelada”. A questão é que não há mais tempo nem lugar para “nivelamentos” de conhecimento na escola. Precisamos, com urgência, promover aprendizagens essenciais e autonomia intelectual para que nossas crianças e jovens possam viver e interagir num mundo menos socialmente desnivelado.

Júlio Furtado é consultor educacional, professor, pedagogo, mestre em Educação e doutor em Ciências da Educação

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